16/06/09

Desabafos da mamã

Hoje foi dia da consulta mensal da Maria no pediatra. Momento de que muito gostamos e que nos deixa sempre um pouco ansiosos para saber se engordou se cresceu se está a desenvolver-se de acordo com os padrões típicos da idade...

Mas hoje não foi apenas um dia de consulta. Acho que tive hoje um daqueles momentos de clarividência que mudam a nossa vida para sempre. Eu explico.

Tínhamos nós (eu, o Filipe e a Maria) acabado de chegar e estávamos a entreter a Maria como podíamos com uma bonecada que estava no consultório, quando vimos entrar um senhor. Ouvimo-lo falar com a secretária e dizer que vinha levantar uma carta com o Dr. Pedro (pediatra da Maria). Sentou-se e olhamos imediatamente para ele e de seguida um para o outro.
Algo na voz daquele senhor e depois na forma como se sentou, como passava a mão na cabeça, como olhava para tudo sem nada ver me chamou a atenção.
Juntou-se a este, um outro senhor. Agia de forma idêntica e tremia. Tremia muito. Mãos, pernas, pés... Foi este senhor falar com a secretária e dizer que para além de levantar a carta pretendia dar uma palavrinha rápida ao pediatra.

O Filipe comentou logo comigo que passariam à nossa frente sem nenhum problema. E nem precisamos de o dizer, porque assim que se abriu a porta que leva ao consultório, o Dr. Pedro veio buscar os 2 senhores e entrou com eles de imediato.

Comentamos que algo grave deveria passar-se.

Uns minutos depois, não sei precisar sequer quanto tempo passou, os 2 senhores sairam, apertaram a mão do médico e foi a nossa vez de entrar.
O pediatra da Maria tem alguma idade (diria que talvez perto de 70 anos). É um médico reconhecido e em quem confiamos (por isso o escolhemos) e tem um certo ár aristocrático, mas é extremamente afável e derrete-se em sorrisos e atenção com as crianças.
Hoje foi diferente. Estava mais calado e assim que entramos no consultório olhou para a Maria, brincou com ela (estava ainda ela ao meu colo) e disse-nos em tom de desabafo: os 2 senhores que acabaram de aqui sair... a vida deles, mudou hoje. Atendi uma menina de 7 anos nas urgências da Casa de Saude da Boavista esta semana. Aparentemente tinha uma amigdalite (apresentava um quadro de febre e dizia a mãe que tinha a garganta inchada). Ele desconfiou de algo. Foram feitas análises e o resultado chegou hoje. E coube-lhe a ele, ligar à mãe daquela menina hoje, e dizer-lhe que a filha tinha que ser internada no IPO. Está com leucemia.

Arrepiei-me quando o ouvi e arrepio-me agora quando aqui escrevo num acto puro de catárse.
Ficamos, obviamente sem palavras, e abracei a Maria, ainda com mais força contra o meu peito naquele momento.
O médico, muitíssimo experiente e com décadas de profissão, que já viu (infelizmente) de tudo, estava abalado com a notícia. Disse-nos que era horrível ter que ligar a alguém e dar uma notícia daquelas. Os senhores eram tios da menina e tinham ido levantar uma carta com indicação do internamento no IPO. Os pais não estariam em condições sequer para o fazer.

Saí da consulta estranha. Feliz porque a Maria está óptima e muito desenvolta. Mas com o coração apertado por saber que aquela família, que não conheço, que nunca conhecerei está desfeita e a sentir uma dor que até ser mãe não entendia sequer a dimensão que pode ter.

E saí da consulta a pensar de que me queixo eu... Não, não tenho uma vida perfeita. Sim, sou insatisfeita por natureza e quero sempre mais e melhor e diferente e isto e aquilo. Tenho tido alguns problemas no meu emprego desde que regressei da licença da maternidade que me deixam mais sombria. E permito que tudo isto me perturbe.

Mas afinal tenho tudo...

Já há uns tempos que andava para ir tirar sangue e inscrever-me como dadora de medúla óssea e agora não há mais desculpas nem fica para depois. É desta. Não por esta menina, mas por tantas outras.

E dou por mim, que não sou propriamente uma pessoa católica (não vou à igreja, não sei sequer se acredito em Deus), a pensar como quem fala com que nos protege, que ajude aquela menina. E que numa próxima consulta possa perguntar ao médico por ela, e dizer-me que se curou.

8 comentários:

Seni disse...

Meu deus! Arrepiei-me!!!
Deus queira que ela se cure.
kiss

Gambozina disse...

Imagino o aperto daquela família. Pensamos que só acontece aos outros, mas às vezes não é bem assim. Parece-me o género de pediatra que eu gostava de ter para o João. Podes dar-me o contacto para eu ver se tem acordo com a seguradora? Se preferires enviar por e-mail pode ser para gambozina@aeiou.pt.
Obrigada!
Ainda bem que está tudo bem com a princesa!
Beijinhos.

Ana disse...

tb me arrepiei agora... eu nem seque consigo imaginar o que aquela familia estará a sentir... espero mesmo que a menina responda ao tratamento e melhore... beijokas

Paula Oliveira disse...

Isto de ser mãe acho que nos torna muito mais atentas a um tipo de problemáticas que antes sabíamos que existiam mas se calhar não nos tocavam tão fundo... pelo menos é o que eu sinto... quando cada vez que leio ou vejo qualquer coisa do género da que acabaste de relatar e fico com os olhos cheios de lágrimas... a unica coisa que penso é que poderia ser comigo... e a realidade é que ninguém está livre... também me quixo de muita coisa... mas a realidade é que até tenho tido muita sorte... felizmente!
Beijos e espero que tragas boas noticias dessa menina!!

Indi e Vicky disse...

As coisas passam na televisão, tão longe e, de repente pasam ao nosso lado e a proximidade das tragédias deixa-nos mais alerta, e leva-nos a dar mais valor áquilo que temos! Até eu que sou a pessoa mais maricas com seringas e sangues e fiquei com vontade de doar sangue e medula...
Beijinhos*

Slimiteca disse...

Realmente o que são os nossos problemas perto de problemas reais?? Nada...rigorosamene nada!!! Eu que trabalho no IPO de Lisboa,vejo tanta coisa,e cada dia me convenço mais de que a vida pode pregar-nos muitas partidas,por isso temos que olhar para ela sempre com alegria,pois cada dia que acordamos com saude,é um dia perfeito!! Beijinhos e espero que esse bebe supere a doença e volte a sorrir e a ser feliz!

Ana Raquel disse...

Por estas e por outras muitas vezes ponho em causa se realmente existe Deus!
Tantas vezes nos queixamos durante o dia mas esquecemos nos sempre que somos umas sortudas, basta estarmos rodeadas de saude...
Eu já sou doadora à 3 anos e sim, podemos fazer a diferença nesses pequenos gestos.
Bjinhos grandes

Sara disse...

E com isto me deixaste com o coração pequenino, pequenino...