Há momentos da minha infância de que me lembro muito bem. De andar de autocarro com a minha mãe para ir ter com o meu pai ao fim da tarde e irmos juntos para casa. Do velhinho Fiat 127 vermelho. Do mimo e do colo da minha avó materna. De fazer os "deveres" numa mesa de madeira, no quarto da minha avó antes da minha mãe me ir buscar. Da brincadeira diária em que o meu irmão fazia de taxista, sentado ao volante do carro estacionado, enquanto esperávamos pelo meu pai ao fim da tarde. De jantarmos na cozinha. Dos sábados à noite em que a tia Esmeralda e o Matos apareciam para joagar às cartas lá em casa e nos levavam uns chocolates alegro de presente. Do meu despistado e resmungão avô paterno de cabelos tão branquinhos que me oferecia presentes às escondidas. Dos natais com a casa cheia e do cheiro a lareira. Dos meus aniversários em noite de S. João sempre com casa cheia e com cheiro a sardinhas assadas e barulho de foguetes. Dos teatros que preparávamos os 3 (eu, o meu irmão e o meu primo Rui) nas férias de Natal, para ocuparmos a noite de Natal. Da voz dissimulada e assustadora que a minha avó fazia para assustar o meu irmão nos momentos em que ele se portava pior. Da mármore das paredes da casa de banho de casa da minha avó materna, em que imaginava desenhos mil. Das tardes de domingo com cheiro a chá quentinho e a torras em pão de regueifa feitas no forno. Dos fins-de-semana de inverno em que a minha mãe me levava o pequeno-almoço à cama. Dos carnavais com fantasias feitas à medida e com direito a ver a minha avó mascarada de improviso. Da capa metálica das garrafas de espumante que a minha tia avó sempre colocava no nariz (tipo palhaço) quando havia festa. De ir a Fão com a minha avó de camioneta e achar que tinha feito uma viagem imensa. Das 6ªs feiras em que apanhavamos o comboio para rumar a Esmoriz para o fim-de-semana ou quando íamos ter com o Bessa e íamos mais que muitos num carro que hoje não poderia levar mais de 5 pessoas. Da enorme subida perto do restaurante braseiro e das filas intermináveis. Das 3ªs feiras à tarde em que o meu pai não trabalhava e nos levava a jogar minigolfe, a comer uma torrada quentinha ou um gelado, ou a atravessar o rio Douro num pequeno barco. Da mercearia antiga da D. Antonina. Das bolachas catraias que comprávamos na Rua do Rosário.
E um dia...
Um dia vou perguntar-te que recordações guardas dos teus dias de criança.
Vou querer saber que cheiros te levam numa viagem ao passado. Que recordações guardas das nossas tardes de domingo.
Como te lembras de nós, num lugar que agora é hoje mas que um dia será passado.
Vou querer que me contes se te lembras das vezes em que não me orgulho do meu papel de mãe, porque me deixo ir na onda e te falo mais alto não porque tenhas feito algo extraordinariamente errado, mas apenas porque ando cansada ou porque o meu dia correu mal. Vou querer que me contes se te lembras das juras de amor que trocamos todos os dias e das graçolas antes de dormir. D
Um dia, se me esquecer de te perguntar, prometes que me lês e me respondes?