Ontem, do nada, a princesa diz que lhe doi uma orelha. Seria uma otite? No minuto seguinte recusa-se a jantar porque diz que lhe doi a abrir a boca. A custo consigo que abra e não vi nada de estranho. Com ela ao meu colo, percebi que a temperatura começava a subir e com olho clínico de mãe, reparei que tinha um ligeiro papo, entre a orelha que dizia que lhe doia e a linha do maxilar. Despe pijama. Esquece o jantar. Enfiamo-nos no carro. O que raio seria aquilo. A médica começou por falar-nos em parotidite, a inflamação das glândulas parótidas, vulgarmente designada por papeira. Confirmou que as vacinas estavam em dia e pediu uma e outra vez para ver a garganta da Maria. E voltou a ver. E chamou uma colega. E trocaram palavras em que percebi falarem de uma simetria da faringe. A médica que a estava a atender achava que sim. A colega achava que não. Chamaram outra médica. Todas amorosas e vestidas de cor-de-rosa. Eu senti as minhas pernas a tremer quase de imediato. Ainda se riram e perguntaram se não me queria sentar e se queria água. A Maria mantinha-se bem disposta. E continuavam a conversar e ouviamos: "Achas?" "Não me parece?", "Vejo qualquer coisa, mas parece uma infecção na garganta que pode aparecer e desaparecer", "Os gânglios estão enormes, dos 2 lados!". O pai encheu-se de coragem e perguntou que desconfiança tinham. A pediatra foi esquiva e disse que no momento era parotidite, o resto era apenas suspeita. Engoli em seco. A conversa continuou. Não havia hipótese de fazer ecografias à noite a não ser que fosse um caso crítico, por isso pediram-nos para hoje estarmos novamente na CUF antes das 9 da manhã e que a ecografia diria se seria ou não parotidite e que este seria o cenário desejável. Não conseguiria vir embora sem perguntar novamente. E ouvi a mesma resposta. Pediram-me para ter calma (really?) e que no dia seguinte já teríamos certezas.
Saímos. Coração apertado. Ela melosa e doce. Com mais febre. E com fome.
Ainda a caminho de casa googlei e encontrei o motivo do alarme. E senti o banco do carro desaparecer. E senti o meu corpo a tremer mais e mais. Nem uma palavra sobre o assunto. Com ninguém. Dormimos os 3 na nossa cama. Dormir é apenas uma forma de explicar que nos deitamos. Dormi a espaços e poucos minutos toda a noite. Agarrada a ela tanto quanto ela permitia. E pedia à minha avó sempre que me lembrava, que não permitisse que fosse nada daquilo. Que fosse o estafermo da papeira e que ficasse por aqui que já nos chegava. E agarrava-me a ela. Uma e outra vez.
Hoje a médica estava à nossa espera na urgência. Com a médica a quem já deveria ter passado o turno. Olhou para a minha cara e disse-me: "Mãe, não deve ter dormido muito!" Respondi-lhe que não, não tinha dormido, sem conseguir sorrir. Disse-lhe que estava muito assustada e ela disse-me que nem devia ter dito que tinha dúvidas e que ainda bem que não nos tinha revelado a dúvida. O pai, irónico, respondeu: "Adiantou muito..."
Disse-lhe que o google era meu amigo e ela riu-se dizendo-me novamente para ter calma. E percebi que ela tinha percebido que eu sabia do que desconfiava ela.
Assim que olhou para a Maria riu-se. E senti-lhe alívio no olhar. Repetiu depois de lhe ver a garganta e o papo próximo do maxilar já ruborizado: "calma mãe! isto ontem estava diferente e isto vai ser de caras uma parotidite!" E por momento, eu desejei com força, muita força que a minha filha tivesse papeira. Coisa estranha, pensei segundos depois, afinal é uma doença chata e que até pode trazer algumas complicações.
Lá fomos fazer a ecografia. E aqueles minutos com ecografo para a frente e para trás e eu sem conseguir ler o que pensava o médico... zero... Até que parou e me disse: "Eu sei que estava nervosa, mas pode respirar de alívio. É uma paritodite do lado esquerdo, tendo os ganglios muito aumentados mas são reactivos, isto é, estão assim por estarem a regir a uma infecção. Não há qualquer nódulo, nem qualquer massa". E ele deve ter ouvido o meu suspiro. E viu o abraço apertadinho que dei à catraia, enquanto lhe dizia que estava tudo bem. Ela reclamava que ainda tinha gel por todo o lado e para não a apertar que lhe doia. Eu ri-me. E senti um alívio que só quem passa por um momento assim pode sentir.
Ninguém me avisou que ser mãe (também) era isto. Não conseguir descansar nunca. Sentir que não controlamos a vida dos nossos filhos. Sentirmo-nos impotentes e aos pedacinhos por suspeitar que algo de grave se passa com as nossas crias. Ter filhos doentes é uma merda. Uma grande merda.
Agora venham as férias na próxima semana, o Natal e o descanso de que tanto precisamos. E que o estafermo da papeira se vá tão rápido como surgiu.